SOBRE ALD

Adrenoleucodistrofia ou Síndrome de Lorenzo

A adrenoleucodistrofia (ALD) é uma enfermidade genética rara, grave e progressiva, que afeta as glândulas adrenais e a substância branca do sistema nervoso, com incidência de 1:10.000. A ALD é encontrada em muitas raças e em vários grupos étnicos ao redor do mundo.
Alguns trabalhos sugerem que o primeiro paciente com a adrenoleucodistrofia foi descrito por Haberfeld e Spieler, em 1910. Os autores descrevem o caso de um menino previamente normal que desenvolveu distúrbios nos movimentos oculares aos 6 anos de idade, com apatia e problemas de aprendizagem. Quatro meses depois evoluiu com um quadro de incoordenação motora ao andar. Ele foi hospitalizado aos 7 anos de idade e aos 8 anos faleceu. Durante sua evolução foi percebido manchas escuras na pele. Seu irmão mais velho também faleceu de modo similar aos 8 anos e meio de idade.
Estudos pós-mortem no tecido cerebral de ambos os irmãos revelaram perda de mielina e esclerose múltipla. Em 1923, esta doença foi novamente descrita, recebendo então outros nomes como doença de Schilder ou leucodistrofia sudanofilica devido à reação de coloração das inclusões lineares encontradas nas células de Schwann. Em 1971, o doutor Michael Blaw atribui à doença o nome de adrenoleucodistrofia, indicando um crescimento desordenado das glândulas adrenais e substância branca do cérebro.
ETIOPATOGENIA
A ALD é uma doença de depósito peroxissomal, já que a função anormal dos peroxissomas leva a um acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa (AGCML) com 24 e 26 carbonos, em tecidos corporais, especialmente nas glândulas adrenais e no cérebro, deste modo, a bainha de mielina que circunda os axônios é destruída constituindo uma doença desmielinizante, causando problemas neurológicos e uma insuficiência adrenal característica, chamada de doença de Addison. Enquanto uma pequena parte dos AGCML provem da dieta, a maior parte é derivada da produção endógena. O acúmulo destes ácidos graxos em pacientes com adrenoleucodistrofia resulta da incapacidade de degradação destas mesmas substâncias. O defeito bioquímico chave parece ser a alteração da função de uma enzima chamada ligase acil CoA gordurosa capaz de ativar indiretamente uma reação química de transporte definida do peroxissoma. Todas as células do nosso corpo contêm os peroxissomos com exceção das hemácias. Os peroxissomas são abundantes em neurônios durante as duas primeiras semanas após o nascimento e nos processos oligodendrogliais que formam as bainhas de mielina. Os peroxissomas contém 40 enzimas envolvidos em beta-oxidação de AGCML, processo de síntese de plasmogeneo e decomposição de peróxido de hidrogênio. Na ALD encontramos uma mutação no gene que codifica a enzima ligase acil CoA. Este gene está localizado no cromossomo Xq-28 e já foram identificadas 110 mutações. A função desta enzima não está totalmente compreendida, mas sabe-se que ela é encontrada na membrana do peroxissoma e relaciona-se ao transporte de ácidos graxos para o interior da organela. Quando ocorre a mutação da enzima, os AGCML não podem penetrar nos peroxissomas e se acumulam no interior da célula.
A adrenoleucodistrofia é uma doença recessiva ligada ao cromossomo X, o que significa que afeta predominantemente os homens e é transmitida por mulheres portadoras que podem manifestar um grau leve da doença. Pelo fato das mulheres apresentarem dois cromossomos X e os homens somente um, elas não deveriam manifestar a doença, mas algumas mulheres portadoras da mutação do gene X-ALD podem manifestar a doença devido a inativação de do cromossomo X com o alelo normal. Os homens só contam com um cromossomo X e um cromossomo Y, portanto, os homens com a mutação do gene localizado no cromossomo X, carecem do mecanismo compensatório e manifestam os sintomas da enfermidade.
Uma mulher portadora do X-ALD tem as seguintes possibilidades de descendência: 25% de chance de ter um filho normal, 25% de chance de ter um filho afetado, 25% de chance de ter uma filha normal e 25% de chance de ter uma filha portadora heterozigota. Como em cada uma das enfermidades ligada ao sexo, se um homem afetado tiver filhos, todos seus filhos serão normais, mas se tiver filhas, todas suas filhas serão portadoras da doença.

Quadro Clínico
A ALD pode apresentar diferentes variantes fenotípicas, isso ocorre de acordo com a expressão do gene mutado. A forma clássica que aparece na infância é a mais grave e inicia-se em crianças entre 4 e 10 anos de idade. Aproximadamente 35% dos pacientes com X-ALD desenvolvem essa forma da doença. Inicialmente os sintomas são: problemas de aprendizagem, de percepção, falta de concentração, perda da memória a curto e a longo prazo, deficiência visual, deficiência dos movimentos de marcha e mudanças de personalidade e comportamento. A insuficiência adrenal ou doença de Addison pode resultar num aumento da pigmentação da pele, hipoglicemia, fraqueza e aumento da suscetibilidade ao estresse.
Existem diferentes tipos de adrenoleucodistrofia, em função da idade do início dessa enfermidade; ALD neonatal: inicia-se durante os primeiros meses de vida, normalmente no período neonatal. Os lactantes começam com uma deteriorização neurológica e apresentam desenvolvimento dos sinais de disfunção do córtex das adrenais, quase todos os pacientes sofrem retardo mental e falecem antes dos 5 anos de idade. A ALD infantil ou clássica é também conhecida por doença de Schilder, tem seu início na infância ou adolescência, o quadro degenerativo neurológico evolui até uma demência grave, com deteriorização da visão, da audição, da fala e da marcha, falecendo precocemente. A ALD adulta ou adrenomielopatia (AMN) é uma forma mais leve que a anterior, começa no final da adolescência ou no início da fase adulta, os sintomas mais importantes são: insuficiência das glândulas adrenais, vários graus de dificuldade de deambulação devido a espasticidade muscular, incontinência urinária e impotência. A deterioração neurológica se instaura lentamente durante décadas. Nesta forma clínica, os sinais de insuficiência das adrenais podem demorar muitos anos para aparecer. Aproximadamente 4% das mulheres portadora do X-ALD desenvolve sintomas neurológicos moderados em seus últimos anos de vida. Os sintomas clínicos limitam-se normalmente a uma perda sensitiva moderada e uma neuropatia periférica. O comprometimento do cérebro é raro e a função adrenal permanece intacta.
O período de evolução da forma cerebral fatal é de uns 10 anos, com total deterioração do sistema nervoso do paciente, deixando-o restrito ao seu leito.
Diagnóstico
A X-ALD/AMN é diagnosticada clinicamente através dos sinais e sintomas característicos e com uma análise laboratorial de sangue específica, em que se detecta a quantidade de ácidos graxos de cadeia muito longa. Este teste é sempre exato no sexo masculino, no entanto aproximadamente 20% das mulheres portadoras não mostram valores elevados de AGCML, dando, portanto um valor de "falso negativo". Já um teste baseado na análise de DNA, assegura com exatidão o caráter do portador.
Tratamento
O tratamento da insuficiência das glândulas adrenais é bastante eficaz. Esta doença será fatal se não for tratada com administração de mineralocorticóides e de glicocorticóides para compensar a ausência destas substâncias. Os espasmos musculares são tratados com medicamentos anticonvulsivantes. No entanto, o comprometimento do sistema nervoso central, a principal causa de deterioração física e mental, é o principal desafio para os pesquisadores, por ser irreversível.
A terapia definitiva para esta doença no momento não existe. Alguns estudos experimentais estão sendo realizados obtendo algum êxito com o transplante de medula óssea e uma dieta baseada no "azeite ou óleo de Lorenzo". O óleo de Lorenzo é uma combinação de ácido oléico e de ácido erúcico. Este azeite parece atuar reduzindo a velocidade da síntese endógena dos ácidos graxos em quatro semanas de tratamento, normalizando os índices no plasma e lentificando a deterioração neurológica, porém, pequena quantidade do ácido erúcico presente no "Óleo de Lorenzo" ultrapassa a barreira hematoencefálica. É de importância fundamental seguir uma dieta com restrição de ácidos graxos saturados. Novas terapias com levostatina e 4-fenilbutirato foram propostas recentemente e estudos experimentais estão sendo realizados para determinar até que grau estes medicamentos são benéficos. A terapia gênica está em estudo em cobaias.
Discussão
Algumas hipóteses tem sido propostas para explicar a variabilidade das formas clínicas da ALD: a primeira é que a mutação do gene da ALD seria uma condição necessária, mas não suficiente para desenvolver uma lesão cerebral. Este último só poderia se desenvolver caso o paciente fosse portador de "variantes normais" de outros genes ditos modificadores, cuja expressão no cérebro tornaria este suscetível ao desenvolvimento de lesões cerebrais desmielinizante. A outra hipótese, do fenótipo (manifestação clínica) de base da ALD é a respeito da AMN. Nesta hipótese, o dano cerebral desmielinizante seria em grande parte secundário, acidental, sob a influência de fatores do meio ambiente. É possível que os pacientes portadores da mutação do gene ALD não sejam capazes de reparar uma lesão desmielinizante mínima que em indivíduos não portadores da mutação do gene ALD poderiam apresentar cura espontânea.
Conclusão
Intensas investigações estão sendo realizadas em todo o mundo sobre esta patologia. Em 1993, o gene mutado da doença pode ser identificado graças ao esforço combinado dos doutores Patrick Aubourg e Jean Louis Mandel na França, e o Dr. Hugo Moser nos EUA. Este descobrimento abriu portas a uma contínua e eficaz investigação.